Na mesa: Antonio Carlos Secchin, Eleonora Ziller e Eucanaã Ferraz
O evento “A REPÚBLICA DAS LETRAS E A REPÚBLICA NAS LETRAS” que aconteceu no auditório G-1 teve no seu terceiro e último dia (30/09) a presença de Antônio Carlos Secchin e de Eucanaã Ferraz. O Antônio Carlos Secchin para quem ainda não conhece é membro da Academia Brasileira de Letras, professor doutor da Faculdade de Letras - UFRJ, escritor e poeta. Eucanaã Ferraz é professor doutor da Faculdade de Letras - UFRJ, além de ser também escritor e poeta. A diretora da Faculdade, Eleonora Ziller, foi quem fez a intermediação entre os dois.
Antônio Secchin escolheu um poema de Ferreira Gullar para falar sobre. O poema escolhido foi Pela rua do livro “Dentro da noite veloz” de 1975. No poema, a esperança aparece em várias partes. Uma esperança que se mistura com a falta de esperança, pois há uma parte em que o próprio autor diz que “Sem qualquer esperança te espero”, ou seja, mesmo sem qualquer esperança de encontrar sua possível amada em meio a multidão e aos carros que passam ele a espera. Sem qualquer esperança pode ser entendida como uma desesperança, já que sua atitude de esperá-la diante de uma loja de bolsas num dia de domingo no finalzinho da tarde, em que se espera que a loja esteja fechada, e pelo fato de encontrar o seu rosto entre a multidão que entra e sai dos bares, dos cinemas, restaurantes, ou então dirigindo um automóvel ou talvez andando a pé pela rua, mostra que sua falta de esperança é na verdade um desespero de encontrar a pessoa que ama. É um desespero típico de quem está apaixonado, e não uma falta total de esperança. Ela a espera mesmo que tente se convencer do contrário, que já não tem qualquer esperança, porque suas atitudes, seus olhares, sua busca incansável pelas ruas e por seus pensamentos... “Em algum lugar estás a esta hora, parada ou andando, talvez na rua ao lado, talvez na praia [...] talvez estejas vindo ao meu encontro...” revelam justamente esse desespero de querer encontrá-la. Mas, por outro lado não podemos substituir a forma “Sem qualquer” por “desesperado”, pois isso modificaria todo o sentido e o entendimento do poema. Se na primeira estrofe, por exemplo, fosse feita essa inversão “Desesperado detenho-me diante de uma vitrina de bolsas” o sentido seria entendido de uma outra forma. Poderia ser entendido como alguém que está desesperado para ter aquela bolsa, e que faria de tudo para consegui-la. O dia é um dia de domingo, um dia vedado, um dia que as lojas estão fechadas. A bolsa que ele olha na vitrine é um objeto também vedado. É um dia obscuro. O tempo é um tempo de velocidade, surge o automóvel que distancia de seu objeto, a mulher. Ocorre a presença do isomorfismo na palavra miragem. Miragem é esse signo síntese do que é o poema. O poeta trata a miragem como conceito. Miragem vista como desespero de encontrar algo que faz com que vejamos em todos os lugares e objetos aquilo que procuramos. No final do poema temos o coração humano em diálogo com o coração do carro, o motor. O coração humano se junta ao barulho dos motores, absorve a fumaça. O grito do seu coração é abafado pelo barulho dos motores dos carros e é solto juntamente com a fumaça dos automóveis. O coração da máquina é mais objetivo, mais prático, por isso sobrepõe-se ao grito do coração humano, o qual é triturado pela ocorrência dessa situação,
Eucanaã começa o seu discurso agradecendo o convite feito pela professora doutora Teresa Cerdeira e diz que considera-se um monarquista, digamos “um aristocrata democrático”, disse ele fazendo uma ironia com o título do evento. É sobre o autor João Cabral de Melo Neto que resolve falar e sobre sua fase surrealista. As imagens de seus poemas, como por exemplo “a faca só lâmina” é tida como um objeto surrealista porque não tem um lugar para pegá-la, um cabo ou um punho, isso porque ela é só lâmina, em qualquer lugar que se pegue você se corta. Cabral busca em elementos concretos, como faz o pintor Magritte com uma maçã e uma mesa, distorcer a realidade. Magritte utiliza uma inversão sintática desses objetos alterando seu tamanho e sua ordem na construção da realidade.
Em Cabral ocorre um privilégio da imagem sobrepondo o poema. “Um anjo, o telefone, o silêncio. Esse telefone contamina o silêncio. É algo concreto no meio de imagens abstratas. Um telefone com asas é confundido com um avião” – disse Eucanaã. No poema A Bailarina ele fala de uma bailarina feita de borracha e pássaro que dança no pavimento de um sonho. Há algo concreto como o pavimento e algo abstrato, flutuante como o sonho. O uso de metáforas se faz presente quando compara a bailarina à uma borracha que é flexível, elástica, e ao mesmo tempo tem um peso concreto. Quando a compara à um pássaro, ele a retira da concretude desse mundo e deixa-a solta no espaço, mais uma vez o uso da metáfora para dizer que é uma bailarina leve, que flutua e mostra delicadeza e leveza em sua apresentação. Guimarães Rosa também é lembrado através da obra “Tutaméia” de 1967 em que ele exemplifica o ‘nada’ como sendo uma faca sem lâmina e sem o cabo, uma paródia que Rosa faz sobre o poema Uma faca só lâmina de João de Cabral de Melo Neto.
texto: Henrique Mello
fotos: Alice Vieira e Daiane Crivelaro
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